Neste momento no qual, em todo o território nacional, os povos indígenas são ameaçados em sua existência física e nas suas culturas, é mais urgente do que nunca recordar o aniversário do martírio do índio Sepé Tiaraju que no sul do Brasil é considerado santo e se tornou até nome de cidade no Rio Grande do Sul: São Sepé. É no dia 07 de fevereiro que as comunidades do Rio Grande do Sul celebram o aniversário deste grande mártir indígena.
Como dizem os livros de História, em 1750, no Tratado de Madri, os reis de Portugal e de Espanha decidiram se unir para destruir as comunidades das missões, cuidadas pelos jesuítas. Os Guarani decidiram resistir porque consideravam a terra como dom de Deus e eles tinham que defender a liberdade da terra e a relação íntima entre aquela terra sagrada e o povo que dela cuidava. Os portugueses e espanhóis atacaram os índios com canhões e morteiros. Os índios resistiram com flechas e pedras.
Sepé, cujo nome indígena não parece ter sido esse, foi o líder guerreiro que uniu o povo guarani na luta contra os exércitos espanhol e português. Sepé unificou os índios das sete povoações missioneras com o grito: “Esta terra tem dono”. Até hoje, esse grito ressoa nas lutas indígenas e é reconhecido como legítimo por todos os que têm senso de justiça. Sepé morreu vítima de uma emboscada armada no arroio Caiboaté. Milhares de índios foram mortos ou se espalharam pelas florestas, escondidos para sobreviver. Até hoje, o grito de Sepé Tiaraju, o cacique guarani, ressoa nas lutas indígenas.
A luta dos dois impérios europeus contra os Guarani foi imortalizada no filme A missão, dirigido em 1986, pelo cineasta inglês Roland Joffé com a inesquecível trilha sonora de Ennio Morricone. Mesmo se a história foi romantizada, revela os fatos históricos como eles aconteceram.
Há séculos, o povo o considera São Sepé. Só agora, com o papa Francisco, o Vaticano acolheu o pedido para reconhecê-lo como santo católico. Isso significa que a causa dos povos indígenas não é só uma luta social e política justa. É isso, mas se torna também apelo espiritual através do qual o Espírito Divino se manifesta presente no mundo e nos ilumina.
Agora, depois de séculos de resistência a tantas violências e perseguições, a fidelidade dos povos indígenas à unidade da comunidade, à preservação de suas culturas de origem e a profunda comunhão com a mãe Terra e a natureza se tornam para os cristãos um verdadeiro testemunho (martírio). É o que aparece no testemunho de Marcelo Grondin e Moema Viezzer. Estes companheiros, desde jovens consagrados às melhores causas da humanidade, conseguiram resumir brilhantemente essa história no livro: Abya Yala, que tem como subtítulo: O maior genocídio da história da humanidade: mais de 70 milhões de vítimas entre os povos originários das Américas. (Editora Bambual, 2020).
O livro de Marcelo Grondin e Moema Viezzer conta com um belo e profundo prefácio de Aílton Krenak, o primeiro índio brasileiro a ganhar o prêmio Juca Pato de intelectual do ano 2020.
Este livro nos conduz a uma peregrinação aos locais de martírio de todos os povos indígenas das Américas. Conseguem contar uma história terrível e arrepiante, sem, entretanto, jamais ceder à desesperança, nem cair na incitação do ódio. Quem lê esse livro impressionante, não pode deixar de concluir: Os povos indígenas podem ser nossos mestres em como resistir nesses dias maus que vivemos Ao ler o livro, celebramos ainda de forma mais profunda a admiração e a gratidão ao ver as novas formas de resistência, de articulação e de profecia dos povos indígenas em nosso continente.
Temos de nos unir e nos solidarizar aos parentes, indígenas de todos os povos originários do continente, companheiros e companheiras nas tribulações provocadas pelo Capitalismo e no testemunho do projeto divino no mundo.
Foto de Capa: O progresso